“Não se forma cultura com ações
pontuais”,
diz engenheiro sobre as práticas sustentáveis no Brasil
Rio de Janeiro - Nelson Suassuna faz um
panorama do mercado energético brasileiro e pontua qualidades em seus
profissionais
Fabrício Alves Moraes, para o Procel Info - Fonte: http://www.procelinfo.com.br/
Rio de Janeiro - O Brasil vive
dias de expectativas e mudanças no setor elétrico. Uma delas é o entusiasmo
pela aprovação da Lei 13.280/2016, que fornece a aplicação de recursos para os
programas de eficiência energética no país e redireciona 20% desse valor ao
Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel). O que se espera
com essa nova legislação é o desenvolvimento de uma cultura sustentável que
ajude a promover o combate de desperdício de energia tanto para os consumidores
de alta tensão, quanto para os clientes residenciais.
Para falar sobre este assunto, o
Portal Procel Info conversou com o engenheiro e pesquisador Nelson Suassuna.
Com ampla experiência no setor de energia, petróleo e gás, Nelson passou por
grandes empresas, entre elas, a Petrobras, quando desenvolveu trabalhos na área
de Segurança, Meio Ambiente e Saúde. O engenheiro atuou até recentemente como
gerente no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, o Comperj, onde comandou
equipe e fiscalizou contratos no âmbito de QSMS/RS (Qualidade, Segurança, Meio
Ambiente, Saúde e Responsabilidade Social).
No ano passado, o engenheiro
escreveu um artigo sobre a prática de eficiência energética, citando exemplos
de eficácia e desperdício, objetivando a promoção de cultura sustentável. “A
reflexão que é possível manter o conforto, a produção de bens e serviços e a
qualidade de vida em equilíbrio com o meio ambiente e os recursos naturais é a
missão que a Eficiência Energética repercute”, avalia em um trecho de seu
artigo.
Na entrevista, Suassuna - que
acredita que teremos bons resultados em curto prazo - avalia como enxerga todo
o âmbito de eficiência energética no Brasil. Falou das prerrogativas e
pretensões do setor para a mudança de cultura de desperdício. Elogiou os seus
colegas e as metodologias atuais aplicadas.“O Brasil possui excelentes técnicos
em eficiência energética como também excelentes iniciativas”, disse. Ele também
fez uma análise sobre o setor de óleo e gás. Segundo Nelson, não existia
prática para a economia de energia até poucos anos atrás e que hoje, após esta
implementação de ações de eficiência energética, o processo de refino se tornou
mais eficiente, realizando também o reuso de água nos processos de exploração.
Confira a seguir os principais
trechos da entrevista:
Procel Info - Como o senhor
avalia as ações de eficiência energética aplicadas no Brasil?
Nelson Suassuna - Estamos
entrando em um cenário que deverá promover a implementação de ações sistêmicas
e abrangentes de eficiência energética com a aprovação da Lei nº 13.280, em
maio deste ano. A expectativa é que tenhamos bons resultados em curto prazo.
Anteriormente as ações estavam sendo pontuais - a maioria - sem observar a
continuidade, a abrangência e a melhoria contínua.
Procel Info - Quais áreas devem
ser priorizadas e quais barreiras ainda impedem o crescimento da eficiência
energética no país?
Nelson Suassuna - Todas as
classes de consumo e seus segmentos devem ser envolvidos, porém, as classes
industrial/comércio e serviços deveriam ter o maior foco, posto que, somadas,
respondem por cerca de 60% do consumo energético. Sobre as barreiras que
bloqueiam o crescimento da eficiência energética (EE) podemos citar a falta de
informação sobre o que é e os resultados de redução do consumo que poderão
advir através de ações. Disseminar o conhecimento concomitantemente com
estímulos e incentivos, mas sem subsídios, removerá os bloqueios existentes
atualmente. Cabe destacar que ações comportamentais retornam bons resultados
com investimento zero.
Procel Info - Em muitos países a
eficiência energética já faz parte do cotidiano da sociedade. Como o Brasil
pode aprender com essas iniciativas internacionais para estimular e disseminar
a cultura da eficiência energética no país?
Nelson Suassuna - A troca de
conhecimento sempre eleva o nível, contudo, o Brasil possui excelentes técnicos
em EE como também excelentes iniciativas. O grande diferencial em relação a
outros países está na continuidade dos programas que levou a formação da
cultura. Não se forma cultura com ações pontuais. Os resultados de outros
países devem ser apresentados como exemplo do que poderá ser obtido com a
implementação da EE na sociedade.
Procel Info - O atual cenário
econômico do país pode ser um estímulo para a adoção de medidas de eficiência
energética, principalmente entre os grandes consumidores (indústrias, grandes
empresas, centros comerciais, hospitais, condomínios)?
Nelson Suassuna - Com certeza!
Historicamente, observamos que a eficiência energética é lembrada pelos
consumidores somente quando a economia apresenta desempenho sofrível.
Infelizmente, em cenários econômicos favoráveis, o desperdício não é tratado.
Importante mudar essa cultura arraigada na nossa sociedade como um todo.
Procel Info - E em relação ao
consumidor residencial. Quais são as alternativas para ter um uso mais racional
da energia?
Nelson Suassuna - Diferente da
indústria, onde ações específicas de EE em plantas (consumidores eletro
intensivos) ou segmentos são passíveis de bons resultados, essa classe é
pulverizada. As ações educativas, comportamentais e de conscientização são as
que remetem a resultados positivos de eficiência nesta classe. Importante que
sejam contínuas para formar cultura, como por exemplo, observar o Selo Procel
de Economia de Energia na aquisição de eletrodomésticos, como ar-condicionado,
geladeira, máquina lava roupas, etc; priorizar lâmpadas eficientes na substituição,
eliminar vazamentos d’água, usar a água potável de forma racional etc. A
inclusão do uso racional e desperdício da água é ponto importante. Essa classe
tende a entender que a água cai do céu e chega direto nas torneiras.
Procel Info - Em artigo publicado
em agosto de 2015, o senhor orienta aos usuários tomarem medidas cautelares
para a redução do consumo. Os grandes edifícios e empresas já abraçaram a
causa? Há uma conscientização do setor?
Nelson Suassuna - Pena não poder
referendar o abraço da causa! Algumas indústrias, em determinados segmentos
industriais, implementam ações de EE, objetivando redução do consumo de
energéticos e água. O impulso é o peso desses insumos na formação do custo dos
produtos e/ou processos. Necessário que a causa seja também abraçada por todos
os segmentos indústrias, independente do percentual de incidência dos
energéticos e da água na formação dos custos. A observação acima é aplicável
ipsis litteris ao comércio, com destaque para os centros comerciais e shoppings
centers, e serviços. Quanto aos edifícios residenciais, a experiência denota
que a eficiência energética e uso racional da água é contemplada nos novos,
principalmente nos destinados a alta renda. Os edifícios residências mais
antigos resistem a implementar ações de EE. É comum considerarem a instalação
de banco de capacitores e enquadramento tarifário como ações de eficiência. Por
fim, temos os prédios públicos, com certeza os campeões de ineficiência
hidro-energética. A conscientização é imperativa para todos os setores!
Procel Info - Qual é o
planejamento estratégico que empresas de grande porte devem ter para
implementar a cultura da sustentabilidade e eficiência em suas operações? Na
sua opinião, como deve ser feito o trabalho de conscientização para que os
velhos hábitos e desperdício sejam modificados?
Nelson Suassuna - O “X” da
questão é a empresa aplicar a sustentabilidade e a eficiência energética como
fatores diferenciais positivos de competividade em relação aos concorrentes na
disputa do mercado. Cada segmento e suas empresas possuem características
próprias. Então, não existe uma “receita de bolo” aplicável para todas as
empresas. Vejo essa implementação integrada, não separada. O padrão atual é
contemplar os aspectos econômicos e de mercado no planejamento. Quanto à
conscientização, o trabalho partirá do governo como formulador da política
nacional de eficiência energética, sendo a implementação desmembrada nos níveis
estaduais e municipais, e, principalmente, com a participação efetiva e
contínua das associações industriais, comerciais, de moradores, enfim, toda a
sociedade organizada.
Procel Info - O senhor tem grande
experiência no setor de óleo e gás. Como a eficiência energética é tratada
nesse segmento? Quais soluções poderiam ser adotadas para tornar mais eficiente
e sustentável o uso da energia e dos recursos naturais nesse segmento?
Nelson Suassuna - Não era prática
a aplicação de ações de EE no setor de óleo e gás até poucos anos atrás. O que
impulsionou a implementação de ações de eficiência energética foi o preço do
petróleo acima dos USD 100/barril. A redução do consumo próprio nos processos
de exploração e refino remete a maior volume de produto para venda. Hoje em
dia, nas refinarias eficientes, o consumo próprio está em torno 7% do volume
refinado. Esse percentual é obtido com a adoção de processos de refino mais
eficientes, equipamentos elétricos eficientes, automação, reaproveitamento de
calor, etc. Também passaram a ser realizadas ações para redução no consumo da
água nos processos de exploração e refino. Hoje, o índice de reuso está
crescente.
Procel Info - A adoção de fontes
renováveis de energia, como eólica e solar, é viável na indústria de petróleo e
gás?
Nelson Suassuna - É viável
economicamente e uma prática sustentável. Algumas refinarias e plantas
petroquímicas já adotam as fontes eólica e solar para geração de energia
elétrica, complementando a demanda e a estabilidade do sistema com a geração
própria por termelétrica ou fornecimento externo. A energia solar também é
utilizada para aquecimento da água em algumas plantas.
Nelson Suassuna é engenheiro
civil formado pela UFPB e pós-graduação em segurança do trabalho pela UFPE. Com
25 anos de carreira, tem ampla experiência no setor de óleo e gás e no mercado
brasileiro de eficiência energética. Entre as principais atividades nesse
período, foi consultor de eficiência hidroenergética da Unifei/Itajubá e na
assessoria de Gestão Corporativa na Petrobras