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terça-feira, 29 de novembro de 2016

EÓLICA E O CONTEXTO

 SOCIOAMBIENTAL






Por Rafael Fernando Feldmann*

Fonte:http://www.osetoreletrico.com.br/2016/2016/11/14/eolica-e-o-contexto-socioambiental/?inf_contact_key=801400121b7208e235d3de4bb9ab647959e058d9e39dabcae1b365beeb6dc8c9
Algumas considerações jurídicas sobre aspectos sociais no processo de licenciamento ambiental de empreendimentos eólicos.
O processo de licenciamento ambiental é um procedimento administrativo que regulamenta o planejamento, a implantação e a operação de uma atividade potencialmente poluidora, ou seja, uma atividade que possa, de alguma maneira, causar qualquer tipo de degradação ambiental. De tal maneira e em acordo com o regime jurídico de leis e regulamentos ambientais no Brasil, a localização, a construção, a instalação, a ampliação, a modificação e a operação de empreendimentos que possam causar qualquer tipo de degradação ambiental ou que utilizam recursos naturais em caráter relevante estão sujeitos a este requisito legal. Esta exigência legal é sempre tratada por meio de um processo administrativo, o qual é conduzido sempre por um ente federativo competente (órgão de meio ambiente federal, estadual ou municipal).
Sob o ponto de vista jurídico, milhares de normas já foram editadas em todo o ordenamento jurídico brasileiro, haja vista a complexidade do procedimento ora envolvida, o diverso número de agentes (stakeholders) que participam do processo e também o fato de que todos os entes federativos possuem competência para licenciar empreendimentos.
Em outras palavras, trata-se de um requisito jurídico que visa combinar o desenvolvimento econômico do país e a proteção ao meio ambiente, ou seja, uma forma de certificar que empreendimentos potencialmente poluidores estão sendo sempre monitorados sob o ponto de vista de sua qualidade ambiental. Não obstante estas considerações, identifica-se uma nova tendência no processo de licenciamento ambiental para o denominado “licenciamento social”, no qual são analisados também os impactos exclusivamente sociais dos referidos empreendimentos e, consequentemente, condicionantes e projetos com viés social, os quais podem não ter correlação ambiental, mas passam a figurar como parte do processo. Em virtude desta nova tendência, o objetivo deste artigo é discorrer a respeito desse aspecto, ou seja, avaliar como isto vem sendo realizado na prática, além de uma opinião sobre a questão.
Natureza e histórico do licenciamento ambiental
O primeiro grande marco para o desenvolvimento da legislação ambiental brasileira e, consequentemente, a regulamentação do licenciamento ambiental no Brasil, se dá com a criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema), pelo Decreto nº 73.030, de 30 de outubro de 1973, com o intuito principal de dar impulso à “elaboração e ao estabelecimento de normas e padrões relativos à preservação do meio ambiente, em especial dos recursos hídricos, que assegurem o bem-estar das populações e o seu desenvolvimento econômico e social[1] e ao “esclarecimento e a educação do povo brasileiro para o uso adequado dos recursos naturais, tendo em vista a conservação do meio ambiente[2].
Naquele mesmo contexto, se identificavam avanços no tocante à proteção ambiental no âmbito dos Estados Federativos, como, por exemplo, a criação dos órgãos de fiscalização e controle, a exemplo da Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Cetesb) e Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (Feema). Instituídos por atos normativos estaduais, foi esta uma iniciativa pioneira dos Estados mais industrializados à época, e consequentemente, detentores de um maior passivo ambiental e uma maior preocupação com o tema.
No entanto, é no início da década de 1980 que o assunto realmente toma maior importância, especialmente, por conta da publicação das Leis Federais de n.º 6.803, de 2 de julho de 1980 e n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981. A primeira dispõe sobre as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição e a segunda sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação.
Tais leis foram, de fato, um significativo avanço, uma vez que instituíram princípios norteadores das ações de controle e fiscalização ambiental, tais como a responsabilização objetiva pela ocorrência de dano ambiental, bem como estruturaram o Sisnama, Conama e legalmente impuseram em âmbito nacional a obrigação do licenciamento ambiental.
Face aos institutos destes novos regramentos, adicionados à Assembleia Constituinte de 1988, foi reservado um novo capítulo exclusivo ao meio ambiente na Constituição Federal, dividindo então a responsabilidade entre o governo e a sociedade civil pela preservação e conservação do meio ambiente[3].
Posteriormente, ocorreu então a criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), por meio da Lei Federal nº 7.735, de 22 de fevereiro de 1989 e, logo após, na década de 1990, não foram poucas as normas ambientais instituídas em âmbito federal e estadual. O Conama ganhou força e editou centenas de resoluções, regulamentando as atividades industriais e florestais.
Há de se ressaltar a edição da Resolução Conama nº 237, de 19 de dezembro de 1997, a qual regulamentou os aspectos de licenciamento ambiental estabelecidos no artigo 10 da Lei Federal n.º 6.938/1981 e definiu as novas diretrizes para tal procedimento. Inovou o ordenamento jurídico também com a edição e entrada em vigor da Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, popularmente conhecida como Lei de Crimes Ambientais, na qual a criminalização da prática de implantação e operação de projetos sem licenciamento restou caracterizada.
Por fim, não obstante uma relevantíssima quantidade de outras normas que poderiam ser aqui mencionadas, vale uma ressalva final para a Lei Complementar n.º 140/2011, a qual regulamentou o artigo 23 da Constituição Federal e especificou diversos preceitos que regem o licenciamento ambiental no Brasil. Em suma, foram mais bem definidos os critérios de competência dos órgãos ambientais, bem como especificados os limites de atuação de cada órgão nestes processos. Esta Lei Complementar foi posteriormente regulamentada pelo Decreto Federal n.º 8.437, de 22 de abril de 2015.
Licenciamento ambiental: empreendimentos eólicos
No que diz respeito aos empreendimentos de geração de energia eólica, o assunto ganhou maior relevância com a publicação da Resolução Conama n.º 462, de 24, de julho de 2014, a qual estabeleceu novos procedimentos para o licenciamento ambiental de empreendimentos de geração de energia elétrica a partir de fontes eólicas em superfícies terrestres[4].
Com a chegada da nova norma, o licenciamento dos empreendimentos de energia eólica foi dividido em duas categorias: (i) simplificado, onde será exigida a elaboração do relatório simplificado; e (ii) geral, em que se fará necessária a apresentação do Estudo Prévio e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima). Neste sentido, conforme disposição expressa do artigo 3º, coube ao órgão ambiental licenciador a definição dos critérios de impacto para tal classificação, sendo que, para a implantação de empreendimentos em determinados locais sensíveis, tais como formações dunares, bioma Mata Atlântica, Zona Costeira, rotas de aves migratórias e outras modalidades ora descritas, a opção pelo processo geral e consequente apresentação do EIA/ Rima já resta determinada.
Nesse contexto, para os procedimentos simplificados, o legislador atribuiu facilidades no trâmite do licenciamento, tais como a obtenção direta da licença de instalação, ato em que atestará a viabilidade do empreendimento, aprovando sua localização e de imediato autorizando a implantação. Outra novidade trazida pela resolução é a possibilidade de emissão conjunta das licenças ambientais dos empreendimentos eólicos de forma singular (por parque) ou de forma conjunta (por complexo), porém sempre com seus respectivos sistemas associados em um único ato administrativo.
Impactos sociais: problemática identificada
Após o referido levantamento das normas que contemplam o licenciamento ambiental (leia-se, de maneira muito generalizada), cabe retornarmos ao escopo principal da análise em questão.
Isto porque todas as normas ora trazidas acima, de uma maneira ou de outra, expõem que é legalmente conferido aos órgãos ambientais que se imponham condicionantes (também definidas como requisitos técnicos) para cumprimento das referidas licenças e manutenção de sua respectiva validade. Em outras palavras, os empreendedores, no curso de seus respectivos processos de licenciamento, precisam cumprir estas condicionantes, as quais têm um proposito genuíno de monitorar os impactos ambientais causados pelo empreendimento.
Feitas estas considerações, é evidente que o propósito do processo de licenciamento é certificar que empreendimentos potencialmente poluidores estão sendo sempre monitorados. Por outro lado, identifica-se uma nova tendência no direito ambiental brasileiro e no processo de licenciamento ambiental de empreendimentos eólicos, de maneira geral, para o conhecido “licenciamento social”, no qual são analisados também os impactos sociais dos referidos empreendimentos e, consequentemente, condicionantes e projetos com o viés social passam a figurar como parte do processo.
A respeito deste tema, temos identificado, ao longo de nossa atividade profissional, condicionantes em que impõem aos empreendedores a implantação de programas de combate à prostituição, ao uso de drogas ilícitas e ao contágio de doenças sexualmente transmissíveis como contrapartida para implantação de grandes obras de infraestrutura, especialmente, em projetos eólicos, os quais demandam uma grande empreitada na sua fase de implantação.
É nítido que tais medidas são essenciais e urgentes para a sociedade, entretanto, é notadamente questionável se o processo de licenciamento ambiental, sob o ponto de vista jurídico e da forma como hoje é regulamentado, é o instrumento mais adequado apropriado para endereçar e discutir tais assuntos. Isto porque, mesmo sabendo que estamos tratando de assuntos de máxima relevância e de necessidade de soluções imediatas, a rigor, o licenciamento ambiental foi inicialmente estabelecido para tão somente controlar aspectos de cunho estritamente ambiental.
Na mesma pauta, os órgãos de controle ambiental foram inicialmente constituídos com servidores exclusivamente focados na proteção ao meio ambiente e a legislação, em nosso ver, restringe que tão somente tais impactos sejam verificados, sem maior abrangência ao que não for estritamente ambiental.
Conclusões
Desde já, é importante dizer que tais medidas sociais são absolutamente urgentes e indispensáveis para a sociedade. Por outro lado, a opinião do autor pauta que o licenciamento atualmente não é, da forma como está legalmente estabelecido, o processo mais apropriado para solucionar temas que não estiverem diretamente relacionados aos aspectos estritamente ambientais. Isto porque, mesmo sabendo que estamos tratando de assuntos de máxima relevância, o licenciamento ambiental foi disposto pela legislação para exclusivamente controlar os impactos exclusivamente ambientais e não outros aspectos que nisto não se relacionem neste tema.
Todas as normas ora identificadas neste artigo demonstram que o caráter estritamente ambiental deve estar presente no escopo dos processos de licenciamento ambiental. Medidas de cunho exclusivamente social que não guardam relação com a temática ambiental não deveriam ser consideradas pela legislação atual como parte do processo de licenciamento ambiental na opinião deste autor.
É de conhecimento deste autor que, nos termos da Resolução Conama 1/1986, especificamente em seu artigo 6º, as avaliações de impacto ambiental em sede de EIA/Rima devem contemplar impactos no meio físico, biológico e também socioeconômico para seu devido endereçamento. Por outro lado, na opinião deste autor, isto não significa que medidas de cunho social que não tenham relação com a temática ambiental devem contemplar as condicionantes de licenciamento (por exemplo, a execução de combate ao uso de drogas).
Ou seja, isto não significa que uma reforma legal não possa ocorrer e que, de alguma maneira, tais aspectos passem no futuro a ser efetivamente considerados nos processos de licenciamento, discussão a qual a sociedade, por meio do Poder Legislativo ou por proposições técnicas perante os órgãos reguladores, deve obrigatoriamente participar. Afinal, é de conhecimento público que diversos projetos de lei e proposições de reforma estão tramitando nos entes competentes para aperfeiçoamento do licenciamento ambiental e a regulamentação de aspectos sociais pode ser nesta oportunidade contemplada. Não se exclui a possibilidade de que, se for o caso, o próprio conceito de impacto ambiental e as variáveis que assim o determinam possam ser revistas nestas reformas.
O principal problema que deve ser enfrentado é que, enquanto o processo de licenciamento ambiental estiver regulamentado da atual maneira, questões que não sejam de caráter ambiental e sejam nele inseridas estarão extrapolando o escopo legal que lhe foi atribuído.
Em face destas considerações, é indispensável que os atuais legisladores definam, sob a perspectiva da segurança jurídica e de previsibilidade aos investidores, quais são os rumos esperados no processo de licenciamento ambiental, o que se espera ser aceito pelos stakeholdersora envolvidos.
Referências
  • MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.
  • MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2016.
  • TRENNEPOHL, Curt e TRENNEPOHL, Terence Dorneles. Licenciamento ambiental. Niterói: Impetus, 2013.
  • MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
  • WERNECK, Mário (et al). Direito ambiental: visto por nós advogados. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
  • Portal Eletrônico RC Ambiental, disponível em: <www.rcambiental.com.br>. Acesso em 31 de maio de 2016.

*Rafael Fernando Feldmann é advogado sênior ambiental do escritório Mattos Filho Advogados, graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP, 2007), pós-graduado em Direito Administrativo Regulatório (FGV-SP, 2010) e Mestre (LL.M) em Direito Internacional pelo Instituto de Empresa de Madrid (IE Law School, 2013). Associado internacional do escritório espanhol Pérez-Llorca nos anos de 2013 e 2014. Vice-coordenador do Comitê Jurídico da Câmara de Comércio Brasil-Espanha (CCBE), 2016.

[1] Art. 4º, alínea ‘c’ do Decreto Federal nº 73.030, de 30 de Outubro de 1973.
[2] Art. 4º, alínea ‘i’ do Decreto Federal nº 73.030, de 30 de Outubro de 1973.
[3] O artigo 23 da Constituição Federal, em especial os seus incisos III, VI e VII, “é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas e preservar as florestas, a fauna e a flora.
[4] Tais procedimentos eram anteriormente previstos na Resolução Conama n.º 279/2001, a qual dispõe sobre o licenciamento de empreendimentos de geração de energia elétrica de pequeno potencial de impacto ambiental e segue vigente mas para outras atividades. Dessa forma, esta Resolução anterior teve, nesta oportunidade, suprimidas as disposições que eram nela contidas sobre as fontes de geração de energia eólica.