Na conta de luz, cobrança polêmica de ICMS
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Consumidores vão à Justiça para excluir taxas do cálculo do tributo, o que reduz valor final em até 20
“A liminar é rápida. Mas é importante lembrar que, caso a
sentença seja indeferida, o consumidor terá que reembolsar o Estado por todos
os meses em que teve o desconto” Francisco Possas Advogado tributarista
Valor do consumo, tributos, PIS, Cofins, encargos setoriais…
São muitos os nomes das cobranças discriminadas nas contas de luz dos
brasileiros, e nem sempre é possível entender tudo o que se paga. Duas dessas
cobranças, porém, têm levantado polêmicas e tornaram-se motivo de disputas
judiciais entre consumidores e concessionárias de energia: a inclusão das taxas
de transmissão (Tust) e de distribuição (Tusd) na base de cálculo do ICMS
(Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que incide sobre o total
a fatura. A exclusão dessas taxas da base de cálculo do imposto poderia
significar uma economia de até 20% do valor da conta. Mas, para isso, é preciso
recorrer à Justiça.
As ações na Justiça costumam ter dupla finalidade: pedir uma
liminar para que o imposto deixe de ser calculado com essas taxas embutidas e
cobrar o valor indevido retroativamente pelos últimos cinco anos (prazo de
prescrição do direito).
— A liminar é rápida. Em apenas dois ou três meses é
possível ter o desconto na conta. Mas, como o Estado provavelmente vai
recorrer, a sentença final pode demorar cerca de um ou dois anos para ser
proferida — explica o advogado tributarista Francisco Possas. — Mas é
importante lembrar que, caso a sentença seja indeferida, o consumidor terá que
reembolsar o Estado por todos os meses em que teve o desconto.
NO RIO, RESSARCIMENTO DE R$ 750
O administrador de empresas Arnaldo Schipper conseguiu um
desconto de quase 15% na conta de luz ao recorrer à Justiça.
— Minha conta de junho, que seria de pouco mais de R$ 500,
já veio R$ 70 mais barata. É um baita desconto. Em um ano, já são quase duas
contas que economizo — ressaltou Schipper.
Apesar de em mais de 95% dos processos no Tribunal de Justiça
do Rio (TJ-RJ) o contribuinte sair vitorioso, segundo o desembargador César
Cury, da 11ª Câmara Cível, atualmente há divergências sobre o direito neste
caso.
Desde que houve uma controvérsia entre a primeira e segunda
turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no início deste ano, há um debate
acerca da validade da inclusão ou não das taxas de transmissão e distribuição
no cálculo do imposto nos tribunais inferiores. A maioria dos magistrados, no
entanto, segue a súmula 391 do STJ, que prevê que o “ICMS incide sobre o valor
da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente
utilizada”.
Flávio Siqueira, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa
do Consumidor (Idec), explica que as tarifas de transmissão e de distribuição
não podem ser consideradas como mercadoria e, portanto, não podem compor a base
de cálculo:
— É preciso alertar o consumidor que ele pode reaver esses
valores da conta de luz.
CALCULADORA SIMULA GANHO
Foi pensando nisso que a Proteste — Associação Brasileira de
Defesa do Consumidor lançou em seu site (www.proteste.org.br) uma calculadora
que simula o quanto o consumidor pode receber de volta pelos cinco anos de
cobrança indevida, caso ganhe o processo. No Rio, a média do ressarcimento é de
R$ 750. Para fazer o cálculo, basta informar o valor médio do gasto mensal, o
estado em que mora e a empresa fornecedora.
— A ideia foi criar um mecanismo para que as pessoas
pudessem identificar se vale a pena ou não recorrer à Justiça — explicou Carlos
Confort, técnico da Proteste responsável pela calculadora.
Qualquer cidadão que pague contas de luz pode recorrer à
Justiça. Para isso, basta ter em mãos comprovantes da conta pagos dos últimos
cinco anos. Quem não tiver, pode pedir à empresa fornecedora um relatório de gastos.
Quem mudou de cidade, dentro do mesmo estado, também pode recorrer. Caso a
mudança tenha sido de estado o processo é mais complicado, pois seria preciso
recorrer ao tribunal local.
— Se o valor contestado for de até 20 salários mínimos, o
mais aconselhável é procurar um juizado especial cível, porque não há custos
com advogados — explicou Siqueira, acrescentando que famílias com renda até
três salários mínimos podem recorrer ainda à Defensoria Pública.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA É EXTINTA
De acordo com o desembargador Cesar Cury, a explosão de
ações no Tribunal de Justiça do Rio começou no fim do ano passado e o
crescimento é notório desde então. Atualmente são quase 2,5 mil liminares
deferidas pela 11ª Vara de Fazenda Pública.
— Quando se descobre que há possibilidade de suspensão de
cobrança e um ganho imediato, as pessoas procuram mais o Judiciário — explica
Cury.
O volume de processos na Justiça foi um dos motivos que
levaram o promotor Rodrigo Terra, do Ministério Público do Rio, a entrar com
uma Ação Civil Pública (ACP) contra a Light, em abril deste ano.
— Mesmo com esse panorama jurisprudencial francamente
contrário, as empresas insistem em manter a cobrança — criticou Terra.
A ação, porém, foi extinta na semana passada. Segundo a
sentença, de acordo com a Lei 7437/85, não é cabível ação civil pública em
casos tributários.
— Existe essa vedação legal em relação ao questionamento de
tributos via ação coletiva, porque, segundo a lei, esses direitos seriam
individuais. Mas, nessa ação, não estamos questionando o ICMS, e sim a base de
cálculo desse imposto. Com certeza, irei recorrer da decisão — antecipou Terra.
A Secretaria de Estado de Fazenda disse estar “atenta” ao
tema e ressaltou que estudos iniciais apontam uma possível perda de arrecadação
de R$ 2 bilhões por ano, caso as taxas de transmissão e de distribuição saiam
da base de cálculo do ICMS sobre a conta de luz. Em nota, a secretaria destacou
que se trata de um valor “bastante expressivo diante dos incessantes trabalhos
que o Estado vem promovendo para melhorar a arrecadação no atual momento de
crise”.
O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) defende
a inclusão das tarifas no cálculo. No entendimento do Confaz, elas compõem o
custo da energia e “uma mercadoria é cobrada pelo preço final que é posta à
disposição do comprador. Vale para energia, vale para todas as mercadorias”.
Em nota, a Light informou que compete ao Estado do Rio
“solucionar dúvidas do contribuinte” sobre o assunto e afirmou atuar como “mera
arrecadadora do tributo.” A Enel, antiga Ampla, disse ainda que cumprirá caso
haja decisão judicial ou mudança na lei.