Para analistas, desafio de Sarney Filho é ambiente ganhar espaço no governo
Maria Júlia Marques
Do UOL, em São Paulo
Flávio Tavares/Hoje em Dia/Estadão Conteú
O ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho (PV-MA)
O escolhido para comandar o MMA (Ministério do Meio Ambiente), o deputado José Sarney Filho (PV-MA), é visto com otimismo por ambientalistas, mas terá tarefa dura pela frente, já que temas como meio ambiente e sustentabilidade não parecem ter espaço no governo do presidente interino, Michel Temer.
Entre tantos ministros que não eram especializados em suas pastas, Sarney tem histórico de defesa do meio ambiente. Enquanto deputado, ele era líder da Frente Parlamentar Ambientalista e também participava das Frentes em Defesa dos Povos Indígenas e do Desenvolvimento Sustentável. Além disso, ele comandou o MMA entre 1999 e 2002, no governo de Fernando Henrique Cardoso, e criou programas como o Projeto Tamar.
Ambientalistas e ONGs (Organizações Não Governamentais) se mostram animados com Sarney, mas há aí também uma "mágoa" do governo Dilma. Enquanto Izabella Teixeira foi ministra do MMA, não havia uma boa comunicação entre a pasta e tais organizações. Ambientalistas criticavam a falta de debate e afirmavam que Dilma virou as costas para temas importantes, como foi o caso na construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. Com o novo ministro, esperam mais espaço.
"A possibilidade de reabrir as portas do ministério para a sociedade civil organizada é muito importante, precisamos da partição de outros agentes que não o governo", diz Márcio Astrini, coordenador do Greenpeace. Adriana Ramos, coordenadora do Programa de Políticas e Direitos Socioambientais do ISA (Instituto Socioambiental), concorda que com mais forças da sociedade se posicionando o embate será maior, mas diz que o "meio ambiente continuará em segundo plano na agenda do país".
Crescimento tem que ser sustentável
A preocupação é se, apesar de seu bom histórico, Sarney conseguirá ser firme para enfrentar desafios e negociar pautas que excluem questões de meio ambiente e sustentabilidade. Temer deixou claro desde seu primeiro discurso como presidente interino que o crescimento econômico rápido é o foco do governo, sem citar o meio ambiente como algo a ser levado em consideração. O desenvolvimento proposto no programa "Ponte para o Futuro" se baseia na flexibilização das leis ambientais e não contam, por enquanto, com medidas de crescimento sustentáveis.
"Nunca podemos imaginar que um ministro consiga atuar sozinho, e Sarney faz parte de um governo que tem uma fortíssima agenda econômica, que pensa em infraestrutura e agronegócio como matriz de desenvolvimento, e deixa claro que vai destruir a agenda ambiental", diz Paulo Artaxo, professor da USP (Universidade de São Paulo) e um dos cientistas mais renomados do país na área de física aplicada a problemas ambientais.
A briga que Sarney deverá comprar é a de integrar o MMA às pautas de outros ministérios, para garantir o crescimento econômico e o respeito às leis ambientais. O ministro já se mostrou ciente do desafio e em entrevista ao Valor Econômico afirmou que estava em contato com o ministério do Planejamento e com Blairo Maggi, ministro da Agricultura, para discutir a PEC que derruba a obrigação de licenciamento ambiental em obras.
Mudanças climáticas
"Com as mudanças climáticas, não dá para falar em desenvolvimento sem bases sustentáveis. Temos que unir crise climática com econômica e repensar investimentos que privilegiam os combustíveis fósseis e não os sustentáveis. Podemos investir em setores que foram abandonados como o do etanol e eólico, que geram empregos e movimentam a economia apesar da crise", afirma Carlos Rittl, secretário Executivo do Observatório do Clima.
Para se ter uma ideia, o Fórum Nacional de Mudanças Climáticas apresentou um relatório que aponta que é possível crescer mais preservando o ambiente: com gastos adicionais de R$ 372 bilhões, seria possível aumentar o PIB do Brasil em R$ 609 bilhões até 2030 e ainda reduzir emissões de gases do efeito estufa. "Não há uma previsão para o futuro, mas temos capacidade para chegar nesse patamar, o que se precisa é juntar vontade", diz o físico, Luiz Pinguelli, que foi secretário executivo do Fórum.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação divulgou este ano um inventário das emissões de carbono brasileiras, usando um novo método de contagem e recalculando as emissões no país em anos anteriores. Antes deste, o último inventário publicado era o de 2010, que apresentou dados até 2005 e apontou que o Brasil havia emitido o equivalente a 2,19 bilhões de toneladas de gás carbônico naquele ano. Ao revisar as contas, pesquisadores notaram que na verdade o país emitiu uma quantidade 25% maior de gases do que apontava o antigo documento, 2,73 bilhões de toneladas de CO2 em 2005. A mudança faz com que a meta estabelecida no Acordo de Paris fique ultrapassada. O país usou os dados antigos referentes a 2005 para criar compromissos, prometendo reduzir as emissões em 37% até 2025. Com os novos números, o Brasil poderá emitir até 1,72 bilhões de toneladas em 2025, o que é mais do que o estimado para 2015. Após a divulgação dos novos estudos, ambientalistas alertam para a necessidade de adaptar as metas do Acordo de Paris para que o país se comprometa a níveis de emissão mais baixos que os atuais.
O protocolo de Nagoia estabelece regras de acesso aos recursos de nossa biodiversidade e também sobre a divisão dos lucros gerados por esses meios. O tratado evitaria, por exemplo, que uma empresa estrangeira patenteasse recursos originários do Brasil, como aconteceu com o açaí, patenteado por uma companhia japonesa (o Brasil já conseguiu reverter a patente). O texto prevê que os países detentores de recursos genéticos recebam parte dos lucros gerados com a venda de produtos desenvolvidos a partir deles. O Protocolo de Nagoia passou a valer em 2014, sem o Brasil, devido às pressões de setores do agronegócio no Congresso. Em 2012, a Presidência enviou o protocolo para aprovação na Câmara dos Deputados. Mas só em 2015, foi criada uma comissão especial para analisar o texto, e ela ainda não foi instalada. Para dar andamento ao processo, é preciso que os deputados considerem o tema como prioritário e levem adiante a discussão, que deve ainda passar pelo Senado. Ambientalistas esperam que Sarney pressione o Congresso para acelerar o processo.