Apesar dos promissores resultados obtidos pelas políticas de incentivo ao aproveitamento da fonte solar, ainda há muito o que avançar para que o Brasil possa ocupar lugar de destaque no cenário mundial de energia solar
Fonte: www2.ctee.com.br/brasilsolarpower/2016/zpublisher/materia/?url=rodrigo-limp-nascimento-consultor-legislativo-a-evoluc-o-da-energia-solar-no-brasil-20170309
Rodrigo Limp Nascimento Artigos e Entrevistas
09/03/2017
09/03/2017
O cancelamento pelo Ministério de Minas e Energia (MME) do leilão de contratação de energia de reserva, composto por empreendimentos com base nas fontes solar e eólica, a apenas 5 dias de sua realização no final de 2016, suscitou preocupação no setor de energia solar por afetar a credibilidade e a previsibilidade de investimentos. Nesse contexto, busca-se analisar o panorama da fonte solar no país, bem como verificar alternativas para que o seu desenvolvimento ocorra de forma mais robusta.
A discussão sobre o aproveitamento da fonte solar no Brasil ganha ainda mais importância se considerarmos o compromisso firmado pelo País na COP 21, realizada em Paris no ano de 2015. O compromisso prevê a redução de emissões de gases de efeito estufa na proporção de 37% e 43%, em 2025 e 2030, respectivamente, considerando níveis de 2005, o que demandará aumento da capacidade de geração a partir de fontes renováveis, incluindo a fonte solar. Além disso, é importante destacar que a energia solar fotovoltaica está entre as fontes que mais geram empregos por MW instalado, fator ainda mais relevante no atual momento de alto desemprego no país.
Quanto ao cancelamento do leilão por parte do MME, mesmo reconhecendo a importância de se manter o aproveitamento da fonte em contínua expansão e o ainda incipiente setor produtivo em atividade, ao observarmos as projeções de demanda e balanço físico divulgadas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para os próximos anos, verifica-se um excesso de oferta de cerca de 9 GW médios em 2019. Dessa maneira não há como não concordar com tal cancelamento, sendo adequado, é claro, que tivesse ocorrido com maior antecedência.
Apesar de termos terminado 2016 sem contratação no ambiente regulado de energia de fonte solar, espera-se que, com a melhora da economia do país e a consequente aumento da demanda por energia, o governo volte a realizar leilões de energia solar com regularidade e condições atrativas para investidores. Até o fim de 2016, existiam instalados 81 MW de energia solar fotovoltaica no Brasil, sendo 24 MW de geração centralizada e 57 MW de geração distribuída. Esse nível de capacidade ainda é muito pequeno se compararmos com os países líderes mundiais em produção, não colocando o Brasil entre os 20 maiores produtores do mundo. A baixa capacidade instalada chama ainda mais atenção se verificarmos o potencial brasileiro de aproveitamento da fonte solar, bem superior aos dos principais países líderes em produção.
Analisando os países com maior aproveitamento da fonte solar, como Alemanha, Japão, China e Estados Unidos, verifica-se que os investimentos se baseiam principalmente em fortes políticas públicas de incentivos, como benefícios fiscais e eficientes mecanismos regulatórios. Dentre os incentivos dados, destaca-se o estabelecimento de generosas tarifas para remunerar a energia gerada pelos painéis solares, mecanismo esse conhecido como “feed-in-tariff”. O Brasil, mesmo que tardiamente, adotou diversas políticas de incentivo à fonte solar, como a realização, a partir de 2014, de leilões de compra de energia específicos para a fonte solar, o estabelecimento de descontos nas tarifas de uso de até 80% para os empreendimentos e a possibilidade de comercialização direta de energia com consumidores com carga acima de 500 kW.
Outro importante incentivo, talvez o principal na geração distribuída, ocorreu com a edição pela ANEEL da Resolução nº 482, de 2012, que criou o sistema de compensação de energia, mecanismo conhecido como net-metering. Por esse sistema, é possível que os consumidores que instalem painéis solares fotovoltaicos de capacidade até 5 MW possam compensar a energia injetada na rede do montante de energia consumido. Diferentemente de outros países, ainda não é possível que os geradores, pelo sistema de compensação de energia, possam ser remunerados pelo excedente de energia gerado, sendo esse um possível ponto de aperfeiçoamento da legislação.
Em 2015 a ANEEL modificou sua regulamentação, criando a possibilidade de instalação de geração distribuída em condomínios (empreendimentos de múltiplas unidades consumidoras), além de criar afigura da “geração compartilhada”, que permite que interessados se unam em consórcios ou em cooperativas, instalando micro ou minigeração distribuída e, dessa forma, utilizem a energia gerada para redução das faturas dos consorciados ou cooperados.
O sistema de compensação de energia vigente resulta, pelo fato de a nossa tarifa ser monômia, na concessão de um subsídio cruzado entre os consumidores sem geração para aqueles com geração distribuída. Tal subsídio ocorre pelo fato de a compensação da energia incluir a parcela da tarifa correspondente ao uso do fio, sendo tais valores alocados para os demais consumidores que não participam do sistema de compensação de energia.
Entretanto, caso a compensação ocorresse apenas na parcela da energia em si, o que seria mais lógico do ponto de vista de alocação de custos, a expansão da fonte provavelmente não se viabilizaria, pois o prazo de retorno dos investimentos na instalação de painéis solares praticamente dobraria. Nesse sentido, torna-se adequado manter o incentivo dado. Apesar de os valores totais gastos atualmente com o incentivo serem praticamente irrelevantes, não significa que o modelo não possa ser aperfeiçoado, principalmente pela perspectiva de grande crescimento do uso da fonte.
De forma a proporcionar maior eficiência na concessão do incentivo, é necessário que o subsídio no fio tenha um prazo de vigência, sendo reavaliada a sua necessidade após tal período. Com isso, evitar-se-ia o que ocorre com muitos dos subsídios existentes no setor elétrico brasileiro, por vezes desnecessários e com grande dificuldade de serem reduzidos ou modificados.
Com vistas a proporcionar maior justiça entre os pagantes de tal subsídio, entende-se adequado o seu pagamento por meio do encargo setorial Conta de Desenvolvimento Energético - CDE, responsável pelos demais subsídios do setor. A CDE é rateada entre os consumidores de todo o país, não sobrecarregando os consumidores localizados em áreas com maior aproveitamento da fonte. Dessa forma, proporciona-se também maior transparência dos valores efetivamente gastos com o incentivo, pois, atualmente, cada distribuidora faz sua contabilização de forma independente, o que dificulta uma análise de custo benefício do incentivo dado.
Embora nos primeiros dois anos após a edição da Resolução ANEEL nº 482, de 2012, o avanço na geração solar fotovoltaica tenha sido tímido, a partir de 2015 houve expressivo aumento na quantidade de unidades consumidoras com geração, passando de 327 unidades no final de 2014 para 8.633 unidades em fevereiro de 2017. Apesar do crescimento verificado, o número de unidades consumidoras com geração distribuída no Brasil representa apenas 0,01% do total de unidades consumidoras, ou seja, uma a cada dez mil unidades consumidoras possui geração. Para termos uma ideia do quanto ainda podemos avançar, destacamos exemplo da Austrália, em que uma a cada seis residências possui painéis solares fotovoltaicos instalados.
Um ponto relevante que precisa de melhorias no sistema de compensação de energia consiste na tributação que ocorre no sistema de compensação de energia. Com relação ao ICMS cobrado, destacamos que o Confaz publicou o Convênio ICMS nº 16, de 2015, autorizando os estados a conceder isenção do ICMS incidente sobre a energia fornecida pela distribuidora à unidade consumidora na quantidade correspondente à soma da energia injetada na rede de distribuição pela mesma unidade consumidora, ou seja, cobrando o tributo apenas sobre o consumo líquido da unidade consumidora.
Desde então, 21 estados decidiram por aplicar as alíquotas de ICMS apenas no consumo líquido das unidades consumidoras, o que contribui para o desenvolvimento da geração distribuída. É essencial que todos os estados sigam o mesmo caminho, isentando da cobrança a parcela equivalente ao montante de energia injetado na rede. A cobrança de ICMS sobre o consumo bruto da unidade consumidora aumenta o custo médio da geração solar em aproximadamente 20%, além de resultar em uma arrecadação indevida do tributo pelo estado, fruto do aumento nas tarifas de energia dos consumidores sem geração, causado pelo já citado subsídio cruzado existente no sistema de compensação de energia.
Quanto à incidência de PIS/Pasep e COFINS, destaca-se importante avanço com a edição da Lei nº 13.169, de 2015, que determinou que esses tributos federais passassem a incidir sobre o consumo líquido da unidade consumidora. Entretanto, tal dispositivo legal não acompanhou as alterações promovidas pela ANEEL no sistema de compensação de energia, que permitiram a compensação por condomínios (empreendimentos de múltiplas unidades consumidoras) e consórcios ou cooperativas (geração compartilhada).
O Projeto de Lei de Conversão nº 29, de 2016, referente à Medida Provisória nº 735, de 2016, incluiu dispositivo que promovia tal adequação, de forma a isentar da cobrança dos tributos a parcela da energia consumida equivalente à injetada na rede por condomínios ou por consórcios. Entretanto, tal dispositivo foi vetado pelo Presidente da República, cabendo ainda a apreciação do veto pelo Congresso Nacional. De forma a contribuir com o desenvolvimento da fonte solar e tornar a legislação coerente com o modelo regulatório vigente, entende-se adequado que tal veto seja rejeitado.
Com relação aos desafios para um maior aproveitamento da fonte solar, temos o ainda alto investimento necessário para instalação dos painéis solares fotovoltaicos. Nesse ponto, faz-se importante a criação por bancos públicos de linhas de crédito com condições favoráveis, especialmente para pessoas físicas.
Uma interessante proposta, que merece análise mais detalhada, também visando mitigar a questão do alto investimento inicial, consta no Projeto de Lei do Senado - PLS nº 371, de 2015. O PLS, aprovado Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI) autoriza o uso de recursos do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS) para aquisição e instalação de equipamentos destinados à geração de energia elétrica a partir de fontes renováveis em residências.
Para que a geração distribuída tenha maior adesão, é necessário que se promovam campanhas informativas sobre o uso da energia solar e as formas de acesso às redes das distribuidoras. Com esse intuito, destaca-se a publicação pela ANEEL de caderno temático com informações sobre a mini e microgeração distribuída, esclarecendo o mecanismo de compensação e faturamento da energia.
Outra importante iniciativa, que acontece com frequência em países que desenvolveram com sucesso o aproveitamento da energia solar, consiste na implantação de painéis solares para geração de energia elétrica em edifícios públicos. Merece menção o projeto desenvolvido pelo MME de instalação de painéis fotovoltaicos no telhado de seu edifício sede, que proporcionará uma economia de aproximadamente R$ 70 mil ao ano em energia elétrica ao Ministério.
Fica claro, pelo exposto, que, apesar dos promissores resultados dos últimos anos, ainda há muito o que avançar para que o Brasil possa se tornar um dos grandes produtores de energia solar fotovoltaica.
Rodrigo Limp Nascimento é consultor legislativo da Câmara dos Deputados, engenheiro e mestre em economia