Alemanha aposta em PernambucoEmbaixador esteve no estado e demonstrou interesse em estreitar laços de cooperação e ampliar investimentos
Kauê Diniz
kaue.diniz@diariodepernambuco.com.br
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Publicação: 28/01/2017 03:00
EMBAIXADOR ALEMÃO GEORG WITSCHEL
Ao lado do dicionário de português, livros como Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, e Brasil, o País do Futuro, de Stefan Zweig, ganharam espaço na prateleira do diplomata Georg Witschel. Empossado embaixador alemão no Brasil em 2016, Witschel iniciou uma série de viagens por um país que pretende conhecer além das letras. A primeira parada dele no Nordeste foi no Recife, quando, reunido com o governador Paulo Câmara, demonstrou interesse em estreitar laços de cooperação e incentivar o crescimento de investimentos de empresas alemães, especialmente em energia limpa no interior do estado. Em entrevista ao Diario, destacou que, para isso ocorrer, é necessária a retomada do crescimento econômico. “Para um maior dinamismo nas possibilidades de investimentos bilaterais é essencial a melhora do ambiente econômico do Brasil, o que deve acontecer ao longo de 2017.” O incentivo ao uso de fontes limpas de energia é prioridade dos alemães, que dominam a indústria mundial de produção de energia alternativa (solar e eólica). Outra área de forte crescimento alemão é a chamada Indústria 4.0. “A “Indústria 4.0” está promovendo uma verdadeira revolução nos processos industriais”, disse. Também durante a conversa, o embaixador comentou sobre a eleição de Donald Trump e se mostrou preocupado com os reflexos disso para a economia europeia. “É importante que o presidente americano entenda que os países europeus estão no mesmo nível dele, que o comércio entre a União Europeia e a América é um lucro para os dois lados”.
Quais são as metas do senhor à frente da Embaixada?
Reforçar a parceria estratégica entre o Brasil e Alemanha através da cooperação para uma gestão responsável da globalização; do aprofundamento do desenvolvimento sustentável, para a proteção do clima, meio ambiente e biodiversidade; da promoção do comércio bilateral e intercâmbios nas áreas da cultura, ciência, pesquisa e temas como a justiça social.
Em sua primeira visita ao Nordeste, quais são as suas expectativas e quais potenciais chamaram sua atenção, podendo render futuras parcerias?
Desde 2009, Brasil e Alemanha estão associados em uma parceira estratégica. Com as primeiras consultas intergovernamentais bilaterais. Em 2015, esta parceria levantou-se para um novo patamar e importantes resultados forama declaração conjunta sobre a Mudança do Clima assim como a parceira em urbanização. Os resultados das consultas intergovernamentais que em 2017 deverão ser realizados novamente, desta vez em Berlin, também constituem base para a cooperação entre o Nordeste brasileiro e a Alemanha, além da boa cooperação entre universidades e instituições de pesquisa já em curso. Vejo potencial com a energia renovável e a eficiência energética. Penso que a cooperação na energia solar tem grande potencial para ser desenvolvida. Infraestrutura de transporte, tecnologias da saúde e da informação são áreas onde os investidores e cientistas alemães também possam estar interessados. Sobretudo, as parcerias em urbanização proporcionam uma abordagem para projetos no âmbito do planeamento de transportes, tratamento e abastecimento de água potável e saneamento das águas residuais, de resíduos sólidos, transporte público etc. Além disso, a Alemanha também faz questão que mais alunos de Pernambuco aprendam alemão como língua estrangeira.
Atualmente, quais parcerias o governo alemão tem com o estado de Pernambuco?
Nos últimos dias eu visitei um projeto bem-sucedido de proteção e gestão de biodiversidade marinha (ProMar). O estado de Pernambuco é um dos parceiros deste projeto. Trata-se de uma iniciativa que de maneira integrada propõe a melhoria da proteção ao meio ambiente bem como o uso sustentável da natureza através da pesca, da agricultura ou do turismo. O governo federal da Alemanha também está promovendo uma cooperação entre o Banco de Desenvolvimento KfW e a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) para o desenvolvimento de projetos na área das energias renováveis e sistemas fotovoltáicos e energia solar concentrada. Outros exemplos da cooperação Brasil-Alemanha em Pernambuco são a GIZ (Agência Alemã para a Cooperação Internacional), que presta apoio a instituições brasileiras com a implementação da primeira central comercial de energia solar concentrada (Concentrating Solar Power Plant, CSP), por exemplo, com a Chesf. Houve, ainda a concepção e construção de duas centrais de energia solar em Fernando de Noronha, onde a GIZ colabora com a Celpe. O nosso Ministério Federal do Meio Ambiente, Conservação da Natureza, Construção e Segurança Nuclear apoia o Projeto Terra Mar, que tem a proteção e gestão integrada da biodiversidade marinha e costeira como objetivo. O KFW também presta apoio a instituições parceiras brasileiras com a preparação do país para produção de energia solar. Além dele, o Centro de Formação Profissional da Economia Bávara promove a parceria com a Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe), com apoio concedido pelo BMZ (Ministério Federal da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento) e do Sequa. A este respeito, há 15 anos, as cidades de Hof e Caruaru celebraram um acordo sobre um intercâmbio estreito com a gestão dos resíduos. Cooperação no ensino superior temos como exemplos o Biologia do mar, uma cooperação entre a Universidade Federal de Pernambuco e as universidades de Hamburg e Kiel. A Escola Judicial do Tribunal de Justiça, igualmente, mantém um intercâmbio regular com a Faculdade de Direito da Universidade de Frankfurt. Recentemente, em novembro 2016, uma delegação de Pernambuco viajou para Frankfurt. Já a Universidade de Pernambuco e a Universidade de Münster trabalham em estreita colaboração nas matérias de Indústria 4.0 e inteligência artificial.
O senhor pretende promover intercâmbios entre empresários alemães e pernambucanos?
Sim. Muito nos alegraria se a economia alemã reforçasse o seu empenho no Nordeste. Em Pernambuco já estão presentes uma filial da Lanxess com 120 funcionários, por exemplo. Há pouco tempo veio a empresa de reciclagem Trautwein, de Stuttgart, e um escritório da empresa de serviços de logística Hamburg Süd, que se instalou em Suape (conforme representante da Hamburg Süd, é a maior empresa de logística em Suape). Já o Encontro Anual Econômico Brasil-Alemanha será organizado em um dos estados do Nordeste economicamente fortes, onde já tem empresas alemãs ativas.
O senhor esteve com o governador Paulo Câmara. Fecharam algum acordo?
Conversei sobre os resultados das primeiras Consultas Intergovernamentais de Alto Nível Brasil-Alemanha, em especial sobre as oportunidades que surgem nas relações entre a Alemanha e o Nordeste, especificamente para Pernambuco. As relações entre a Alemanha e o estado de Pernambuco sempre foram próximas. Assim como o Brasil, a Alemanha é uma Federação e vemos com bons olhos o estreitamento das relações entre os estados alemães e brasileiros. Nesse sentido, houve em 2016 a visita de uma delegação do estado de Baden-Wurttemberg com uma comitiva de empresários alemães ao Recife. Esses encontros servem para compartilhar experiências e apresentar soluções sustentáveis para o desenvolvimento de negócios e intercâmbios tecnológicos que possam permitir a consolidação de projetos em conjunto com os pernambucanos. Com a gradual retomada da economia brasileira, esse intercâmbio deve ser intensificado.
Algum setor econômico da Alemanha poderia surgir como possibilidade de investimento para os empresários pernambucanos?
Energias renováveis e eficiência energética, gestão de resíduos sólidos e tecnologia da informação. Outra área que poderia obter mais destaque é o turismo. Assim como o Brasil, por meio do Senac, a Alemanha possui vasta experiência no treinamento e na formação de profissionais do Turismo e Hotelaria pelas “Tourismusfachhochschulen” (escolas técnicas superiores para turismo). Para que haja um maior dinamismo nas possibilidades de investimentos bilaterais é essencial a melhora do ambiente econômico do Brasil, o que deve acontecer ao longo de 2017.
A Alemanha está entre os cinco países que mais recebem estudantes internacionais. Há algum novo programa de bolsas para estudantes brasileiros em substituição ao Ciência sem Fronteiras?
Provavelmente haverá uma forma modificada do programa CsF, que se concentrará nos pós-doutorados. Mas estudantes brasileiros de graduação e pós-graduação conservam a possiblidade de beneficiar-se, por exemplo, das bolsas do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD) ou da Fundação Alexander von Humboldt. O DAAD, junto com Capes e CNPq, anualmente disponibiliza cerca de 400 bolsas para estudantes brasileiros, licenciados, doutorandos e pós-doutorados. Em 2016, infelizmente, devido à crise econômica, bolsas de estudo conjuntas no âmbito do programa de doutoramento da Capes, CNPq e DAAD não foram concedidas. No entanto, é muito provável que este ano o programa seja lançado novamente.
Como a Alemanha observa o atual momento político e econômico brasileiro?
O Brasil sofre de uma grave crise econômica, política e moral. Os desafios são enormes. No entanto, após o impeachment, é preciso reunir socialmente o país dividido. Apesar disso, mesmo neste contexto atual, o Brasil se revela como uma âncora de estabilidade. A gestão da crise ocorre dentro dos limites constitucionalmente previstos. O Brasil é e permanecerá um parceiro estratégico da Alemanha, mesmo em tempos difíceis. O Brasil e a Alemanha têm muitos interesses e valores em comum. Somos parceiros na gestão da globalização.
Como vê a eleição nos Estados Unidos com a vitória de Donald Trump e seus reflexos?
Estamos ouvindo o discurso feito pelo presidente americano Donald Trump e esperamos que os elementos positivos deste discurso se realizem. Ele falou de parcerias com países como Alemanha. Por outro lado, pensamos que é importante que o presidente americano entenda que os países europeus estão no mesmo nível dele, que o comércio entre a União Europeia e a América é um lucro para os dois lados. Se ele quer limitar ou reduzir este livre comércio, será um prejuízo para a Europa, claro, mas também, e sobretudo, para os Estados Unidos. Vamos falar com ele e esperamos que ele participe da cúpula do Grupo dos 20, em maio. Estou seguro que a chanceler Merkel, com toda experiência que tem, e o novo presidente americano conseguirão estabelecer uma relação de trabalho cordial.