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quarta-feira, 15 de setembro de 2021

 

Energia do calor do Sol

Os primeiros projetos de geração heliotérmica estão começando a sair do papel no Brasil

Fonte:www.revistapesquisa.fapesp.br


A usina chilena de Cerro Dominador ocupa uma área circular com mais de 700 hectaresHO / Cerro Dominador / AFP

Os primeiros projetos experimentais brasileiros de geração de energia heliotérmica, ou termossolar, estão em fase de instalação e devem entrar em operação nos próximos meses. Esse tipo de energia solar, internacionalmente conhecida pela sigla CSP, de concentrating solar power, utiliza o calor capturado do sol para aquecer um fluido que, por sua vez, movimenta uma turbina a vapor, produzindo eletricidade. O princípio é o mesmo de qualquer planta termelétrica, mas emprega uma fonte 100% renovável, abundante e limpa, a irradiação solar, no lugar de combustíveis de origem fóssil e poluentes, como gás, óleo ou carvão.

Um exemplo de usina CSP é a Cerro Dominador, planta de grande porte inaugurada em junho no deserto do Atacama, no Chile. Construída a 3 mil metros (m) de altitude, em uma área circular de mais de 700 hectares, o equivalente a 700 quarteirões, ela tem 10,6 mil heliostatos, espelhos ou conjunto de espelhos que podem girar para seguir a trajetória do sol, refletindo a luz em direção ao topo de uma torre central de 252 m de altura. O receptor situado no alto da torre é aquecido a uma temperatura de 560 graus Celsius (°C), transformando sais fundidos (fluoreto, cloreto ou nitrato de sódio, entre outros) em um fluido usado para produzir vapor de água que aciona turbinas e geradores com capacidade para gerar 110 megawatts (MW). Cada heliostato tem cerca de 140 metros quadrados (m2) de superfície.

Com auxílio de uma estrutura fotovoltaica complementar, a planta chilena, pioneira na América Latina, alcança 210 MW, quantidade suficiente para abastecer 380 mil residências. Mais comum no Brasil e no mundo, a energia solar fotovoltaica se vale da incidência do sol sobre placas semicondutoras, como as instaladas nos telhados de casas e prédios e em parques geradores. Comumente feitas de células de silício, elas convertem a radiação solar em energia elétrica.

No Brasil, o projeto heliotérmico mais adiantado é o da Companhia Energética de São Paulo (Cesp). Orçado em R$ 56 milhões, deve entrar em operação em setembro. A unidade foi projetada para gerar 0,5 MW e está sendo construída no complexo experimental de energias alternativas renováveis da empresa junto à usina hidrelétrica Porto Primavera, no rio Paraná. A Cesp optou pela tecnologia heliotérmica de calha parabólica, a mais difundida entre os quatro sistemas termossolares existentes (ver infográfico).

A usina experimental paulista será composta por seis linhas de espelhos de alumínio revestidos com um filme refletivo. Em formato retangular, cada um dos 576 espelhos tem 7 m de comprimento por 64 centímetros de largura, sendo que as linhas se estendem por 150 m. “O alumínio tem vida útil maior e montagem mais fácil do que o espelho de vidro”, explica Luis Paschoalotto, gerente de Engenharia de Operação e Manutenção da Cesp. O material foi importado dos Estados Unidos.

Uma vantagem das plantas heliotérmicas é que o armazenamento de calor permite que ela continue a gerar energia após o fim da incidência de sol sobre o sistema, já que o fluxo de fluido aquecido pode ser controlado de forma a permanecer movendo o gerador elétrico. “É uma característica importante, que permite que a usina seja despachável”, destaca Paschoalotto. Despachável, no jargão do setor elétrico, significa que a geração pode ser acionada mesmo quando a fonte de energia, no caso a luz solar, não está disponível naquele momento, como à noite. Em uma usina heliotérmica de grande porte, a geração de energia pode se estender por até 18 horas. A energia fotovoltaica e a energia eólica, produzida a partir da força dos ventos, são intermitentes, ou seja, a geração cessa imediatamente quando não há luz ou vento.

O projeto da Cesp foi concebido em resposta a uma chamada pública da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), de 2015, que teve como objetivo recolher informações capazes de fomentar uma estratégia para o desenvolvimento da geração heliotérmica no país. “Em nosso relatório de conclusão do projeto, pretendemos informar à Aneel que a tecnologia ainda apresenta custo unitário superior a outras fontes, mas reúne atributos importantes, por gerar energia renovável e controlável. Precisa ser incentivada”, antecipa Paschoalotto.

Alguns especialistas recomendam que sejam realizados leilões de compra de energia específicos para a geração heliotérmica até que essa fonte ganhe escala e competitividade. Esse foi o mecanismo adotado para incentivar as energias eólica e fotovoltaica em seus primeiros anos no Brasil.

A geração heliotérmica ainda é incipiente no mundo. A Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena) contabiliza a capacidade instalada de geração de energia solar em 713,9 gigawatts (GW) em 2020. Desse total, 707,5 GW são obtidos com a geração fotovoltaica e apenas 6,4 GW são provenientes de sistemas CSP.

Paulo Cunha, pesquisador do Centro de Estudos de Energia da Fundação Getulio Vargas (FGV Energia), destaca que a indústria de equipamentos fotovoltaicos avançou significativamente nos últimos 10 anos. Nesse período, houve uma redução do custo médio de geração de US$ 0,378 por quilowatt-hora (KWh), em 2010, para US$ 0,068 por KWh, em 2019, de acordo com os dados da Irena. Por isso, segundo Cunha, os sistemas de geração fotovoltaicos se popularizaram. No mesmo período, a indústria de equipamentos de geração CSP não evoluiu e vários fornecedores de painéis solares e receptores de calor encerraram atividades. O custo de geração heliotérmica, segundo a Irena, é de US$ 0,182 por KWh, cerca de 2,5 maior do que o da fotovoltaica (ver infográfico abaixo).


A Companhia de Geração e Transmissão de Energia Elétrica do Sul do Brasil (Eletrosul) e a Neoenergia, do grupo espanhol Iberdrola, presente em 18 estados brasileiros, também inscreveram projetos na chamada pública da Aneel. Procurados pela reportagem, não quiseram se pronunciar. Outra empresa que atendeu ao chamamento da Aneel foi a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). José Bione de Melo Filho, gerente do Departamento de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da empresa, informa que o objetivo da empresa é construir duas usinas experimentais em Petrolina, em Pernambuco, a primeira com a tecnologia de calha parabólica e outra de torre central, como a chilena de Cerro Dominador.

A usina de calha parabólica terá 0,8 MW de potência, e a expectativa é que as obras de instalação se iniciem neste ano, assim que o projeto obtenha o licenciamento ambiental. Outra pendência é a aquisição dos espelhos côncavos necessários para captar e refletir a irradiação solar ao ponto focal. “O Brasil não tem know-how nesses espelhos. É o principal gargalo”, diz Melo Filho. Não há ainda previsão para a construção da usina de torre central.

Na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (FZEA-USP), campus de Pirassununga, um projeto experimental CSP está previsto para entrar em operação em 2022. A concepção da usina se distingue por ser um sistema híbrido de geração de eletricidade associado à cogeração de calor para uso industrial.

A geração solar será obtida com o uso de 74 heliostatos, cada um formado por 9 espelhos de vidro nacional. Quadrados, eles têm 9 m2 e serão direcionados a um ponto focal no alto de uma torre central de 25 m. Terá potência instalada de 70 KW. “Quando não houver sol, a turbina será alimentada por biocombustível – por isso, o sistema é híbrido”, explica o professor da FZEA Celso Eduardo Lins de Oliveira, coordenador do Grupo de Pesquisa em Reciclagem, Eficiência Energética e Simulação Numérica (Green-USP).

A cogeração é o aproveitamento da energia perdida no processo de geração de eletricidade para o uso em processos industriais diversos, como secagem, refrigeração e pasteurização. No projeto da USP, o calor será dirigido ao matadouro-escola da faculdade, para esterilização da área de abate e outros fins. “Nossa proposta é viabilizar usinas CSP de pequeno porte para uso em agroindústrias, auxiliando-as a obter independência energética”, afirma Oliveira.

O projeto do Green nasceu de uma parceria com a empresa paulista Solinova e o centro espacial alemão (DLR). Spin-off do Laboratório de Eficiência Energética e Simulação de Processos da FZEA, a Solinova também desenvolve um projeto experimental de cogeração em uma fábrica de lácteos em Caiçara do Rio do Vento, no Rio Grande do Norte, ainda em fase inicial. No projeto de Caiçara, a Solinova é a responsável pelo fornecimento das tecnologias do bloco de potência e cogeração. Recentemente, a empresa obteve o apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da FAPESP, para o desenvolvimento de um novo bloco de potência híbrido de biocombustíveis e energia CSP.

Para o professor da Escola Politécnica (Poli) da USP José Roberto Simões-Moreira, autor do livro Energias renováveis, geração distribuída e eficiência energética, a atual escassez de chuvas que afeta o Brasil é mais uma prova de que o país precisa diversificar sua matriz elétrica e reduzir a dependência da geração hídrica, responsável por cerca de 60% da eletricidade produzida no país. “A geração térmica híbrida, com a radiação solar suplementada, quando necessário, por biomassa ou gás natural, é uma boa alternativa, além das energias eólica e solar fotovoltaica”, afirma Simões-Moreira. “Proporciona confiabilidade à matriz elétrica e deve ser incentivada, uma vez que é economicamente competitiva.”

Projeto
Estudo de câmara de combustão para o bloco de potência híbrido de biocombustíveis e Centrais de Concentração Solar (CSP – Concentrated Solar Power) (nº 20/05777-7); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Rafael Gonsales Neto (Solinova); Investimento R$ 23.611,50.