Fones de ouvido sem fio são um dos maiores hits tecnológicos dos últimos tempos. A expectativa é que mais de 150 milhões de pares sejam vendidos este ano. Até 2025, o total deve alcançar 750 milhões.
São produtos descartáveis. Depois de dois ou três anos de uso, a bateria perde a capacidade de armazenar carga. Os componentes são minúsculos, e muitas vezes colados, o que torna o conserto impraticável. Os fones morrem esquecidos em alguma gaveta.
Mas a transmissão de eletricidade à distância, uma ideia que tem mais de cem anos, promete aumentar a vida útil de eletrônicos de consumo, reduzir a montanha de lixo eletrônico gerada anualmente e ser parte essencial da ‘internet das coisas’.
Fones de ouvido como os Airpods ou Galaxy Buds poderiam, em tese, ter baterias ainda menores, que só seriam utilizadas de vez em quando: na maior parte do tempo, eles funcionariam com a eletricidade “do ar”.
Ambientes como escritórios e casas estão inundados por sinais sem fio – basta observar o número de redes disponíveis quando você tenta conectar seu computador à internet.
Circuitos com pequenas antenas, não muito diferentes das usadas nos celulares, coletam essas ondas eletromagnéticas e as transformam em eletricidade.
A quantidade gerada ainda não é suficiente para manter funcionando um smartphone ou um laptop, mas pode ser perfeitamente adequada para bilhões, potencialmente trilhões de sensores interconectados que vão criar a internet das coisas.
Baterias tradicionais de íons de lítio são grandes, caras, duram pouco e são pouco sustentáveis, mas a expectativa é que essa energia dispersa por aí possa transformar em realidade a visão de cidades ou fábricas inteligentes.
Em Capivari, no interior de São Paulo, o cofundador da IBBX Inovação, Luiz Fernando Destro, acredita ter encontrado uma maneira única de resolver o problema.
Made in Capivari
A técnica da IBBX aproveita a energia eletromagnética do ambiente para fazer funcionar sensores e pequenos equipamentos eletrônicos.
Depois de mais de nove anos desenvolvendo a tecnologia e montando a equipe, a IBBX agora está demonstrando como capturar a energia à nossa volta.
Destro aposta em dois impactos.
O primeiro é transformar em realidade a internet das coisas, começando pela indústria.
O segundo é ambiental. “Essa reciclagem da energia vai evitar o uso de bilhões de baterias”, diz ele.
O foco inicial da IBBX são sensores de monitoramento de grandes máquinas. Hoje, elas são submetidas a medições periódicas, feitas por um ser humano.
Os sensores da IBBX ficam acoplados às máquinas e transmitem dados continuamente e não precisam estar plugados na tomada. Um deles nem sequer tem bateria. Outro, um pouco maior, leva uma bateria muito menor que uma convencional.
A IBBX já instalou mais de 1.500 sensores e conta com empresas como Confibra e BRF como clientes.
A empresa já recebeu investimento de cerca de US$ 2,5 milhões em capital de risco, e o plano agora é buscar uma série A de cerca de US$ 5 milhões.
O dinheiro será usado para expandir o negócio tanto do ponto de vista comercial quanto na ciência básica.
A IBBX tem 11 pedidos de patentes depositados, no Brasil e no exterior, e licenciar a tecnologia para os gigantes da tecnologia de consumo está no radar da companhia, ainda que no longo prazo.
Interesse renovado
A competição para encontrar soluções semelhantes à da startup é grande – inclusive por parte de nomes conhecidos.
Na primeira semana do ano, a Samsung foi um dos destaques da Consumer Electronics Show, maior vitrine para novidades tecnológicas do mundo, com um controle remoto que nunca precisa ser carregado.
É a segunda versão do produto. A anterior, apresentada ano passado, usava só um mini painel fotovoltaico. Agora, parte da eletricidade vem das ondas de radiofrequência coletadas dentro de casa – como o sinal do WiFi, por exemplo.
Batizado de Eco Remote, o aparelho vai evitar o uso e descarte de 99 milhões de pilhas AAA em sete anos, diz a empresa.
Questionado sobre o anúncio da Samsung, Destro sorri e diz que já fez um protótipo parecido dois anos atrás.
Num vídeo que circulou amplamente nas redes sociais, a IBBX mostra um celular sendo carregado magicamente com a cacofonia das ondas magnéticas que cobrem a Avenida Paulista.
Mas o foco da IBBX e de suas rivais é o mundo corporativo, onde as baterias são menores e a necessidade, mais urgente.
A Wiliot, uma startup americano-israelense, recebeu um aporte de US$ 200 milhões do Visionfund, do Softbank. A empresa desenvolve uma espécie de etiqueta inteligente que é vendida em rolos e pode ser colada em itens que precisam ser rastreados – pense num armazém.
A americana Atmosic desenvolveu um chip que gera energia suficiente para fazer funcionar um teclado sem fio somente com as ondas eletromagnéticas que nos cercam num escritório.
A diferença da IBBX para essas startups, afirma Destro, é o tipo de frequência que se tenta capturar. As estrangeiras se concentram majoritariamente em altas frequências, como as tipicamente usadas por redes WiFi.
Já a IBBX se concentra em frequências mais baixas, que são mais comuns em ambientes fabris e têm a vantagem de contar com um alcance mais longo. Uma potencial aplicação da tecnologia, diz Destro, é no monitoramento remoto da agricultura.
Corrida do lítio
O interesse por sistemas de “eletricidade sem fio” deve crescer nos próximos anos por dois principais motivos.
O primeiro é a competição crescente por lítio, um dos ingredientes fundamentais da maioria das baterias. Embora o elemento seja abundante no planeta, a onda da eletrificação está causando um aperto jamais visto nos estoques.
Estima-se que a produção não acompanhe a demanda pelos próximos dez anos.
O outro motivo é a sustentabilidade. Das 54 milhões de toneladas de lixo eletrônico geradas em 2019, segundo a ONU, apenas cerca de 17% foram coletadas e recicladas corretamente.
Os AirPods, da Apple, líderes de vendas na categoria sem fio, são virtualmente impossíveis de consertar. Quem os envia para a empresa para substituir a bateria recebe de volta um novo par. (A Apple afirma que os AirPods são reciclados.)
Se aparelhos maiores, como smartphones, já não são reciclados, o problema tende a ser muito mais grave com sensores menores que uma caixa de fósforos.
“A verdade é que existe muita energia perdida no mundo”, diz Destro. “Já estamos pagando a conta ambiental [do lixo eletrônico].”